sexta-feira, 7 de junho de 2024

Literatura e fotografia. Por Luciana Bessa



Por Luciana Bessa

Literar, desde a minha adolescência, foi o modo que encontrei de escapar daqueles infortúnios que a vida teima em colocar em nosso caminho. Primeiro, foi válvula de escape. Depois , um modo de conexão comigo e com o outro. Fotografar sempre esteve no campo da apreciação, nada mais.

Recentemente resolvi participar de duas oficinas no Centro Cultural do Cariri: a primeira, escolhi pelo título: “Estratégias para enxergar o vento – Pequenos gestos para escrever com imagens e fotografar com as palavras”, ministrado pela jornalista e fotógrafa Iana Soares. A segunda, elegi por minha paixão pela poesia: “Da cena ao poema”, ministrada pela escritora Tércia Montenegro. Ambos os cursos integram o projeto de formação “A palavra e a imagem: entrelaçamento para criação literária”.

Criar, seja pela palavra ou pela imagem, são duas formas de se colocar no mundo e “dizer de si”.  Embora literatura e fotografia sejam artes distintas, ambas estão intrinsecamente relacionadas  produzindo mensagens cada vez mais complexas e potentes.

Pela palavra, o poeta Manoel de Barros disse que o seu quintal era maior que o mundo, que sentia saudade do que não foi na infância, que ao invés de fazer peraltagem fazia solidão e, quando brincava, era de fingimento: lata era navio, pedra era lagarto, sabugo era um serzinho mal resolvido, etc. Pela fotografia, a inglesa radicada no Brasil Maureen Bisilliant, nos deu em imagens, aquilo que até então, nós leitores, só conhecíamos por meio das palavras. Ela, assim como eu, ficou impactada com a leitura de Grande sertão: Veredas (1957), de Guimarães Rosa. Então, resolveu investigar a conexão entre o “mundo real” e o “mundo idealizado” pelo romancista. Fotografou o sertão concebido pelo escritor e nasceu o livro A João Guimarães Rosa (1966).

Depois dessa experiência literária-fotográfica, passei a pensar com mais força na interconexão entre essas duas artes, cuja missão é estabelecer comunicação com o outro, conexão com nós mesmos.

 Além disso, passei a discordar veementemente da frase atribuída ao filósofo Confúcio: “Uma imagem vale mais do que mil palavras”. Não, não vale! A imagem é a captação de um momento, que pode ter sido flagrado de forma natural ou artificial. Se natural, é incapaz de mostrar com precisão o instante retratado. Se artificial, um cenário é previamente montado para captação daquela ocasião. Só fica na imagem o que o fotógrafo determinou. Logo, engana-se quem pensa que é fácil interpretar uma imagem. Engana-se ainda mais quem acredita ser possível dizer, com a mais fina precisão, os sentimentos amalgamados.

Deve ser por isso que muito escuto: Não entendeu? Quer que eu desenhe? Fico me perguntando: se o meu interlocutor não é capaz de se fazer entendido pela palavra, vai conseguir por meio da imagem?

Somos fadados a conviver com a imprecisão da palavra e com os valores atribuídos as  imagens. O uso indevido de fotografias de uma pessoa é punido pela lei (Artigo 5º da Constituição Federal). No campo da publicidade e da propaganda, o valor de uma imagem vale cifras gastronômicas. Um comercial de 30 segundos em horário nobre da Rede Globo vale aproximadamente R$ 508 mil. Mas se for no SuperBowl, principal liga de futebol americano do mundo, esse valor passa a ser 6 milhões de dólares. Por outro lado, o valor político e moral de imagem, é bem mais difícil de ser mensurado.

Tenho a leve impressão de que a geração de hoje tem uma compulsão em tirar fotos, arquivá-las, e não refletir sobre elas. E a certeza de que se pedirmos aos jovens para que escrevam um único parágrafo sobre as fotos tiradas, a dificuldade será tamanha. Afinal, vivemos na no século das novas tecnologias, que faz uso da inteligência artificial para produção de textos.

Tanto a Literatura como a Fotografia oferecem um olhar para a realidade circundante, por isso, fica aqui o convite aos leitores/ fotógrafos para que tenham mais cuidado com as palavras proferidas, com as imagens postadas, sobretudo, com os diálogos entre o real e a ficção criados por ambas as artes.



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