Por Lucana Bessa
Publicado
em 2023 pela Companhia das Letras, Chuva
de Papel, é o terceiro romance da escritora recifense Martha
Batalha. O primeiro foi A vida
invisível de Eurídice Gusmão (2016)
e, o segundo, Nunca houve um
castelo (2018).
Misturando
tons cômicos e trágicos, Chuva de Papel, traz um narrador em terceira pessoa
(primeiro momento), que nos apresenta a história de um repórter policial, Joel
Nascimento; uma dona de casa, Maria da Glória, e sua amiga Aracy, em um Rio de
Janeiro, que viveu tempos áureos, mas que em 2020, apresenta-se completamente
diferente, sobretudo quando foi acometido pela pandemia da COVID-19, que deixou
miséria e mortos.
O
livro encontra-se dividido em duas partes: na primeira (capítulos um ao
quinze), o leitor conhece o repórter aposentado e decadente, Joel Nascimento,
procurando o melhor local pelos bairros do Rio de Janeiro para praticar
suicídio. A vida não faz sentido para esse homem solitário e endurecido pelo
tempo. O único contato que tem com suas ex-companheiras (Beatriz e Mathilde) é
por telefone, quando elas ligam para cobrá-lo por dinheiro, ou para reclamar da
falta de atenção ao seu único filho, Marceu.
Atrelada à solidão de Joel, há o vício em álcool. Nossa
personagem é filho de uma família desestruturada, com um pai abusador e vários
casamentos fracassados, por isso, Joel saiu cedo de casa. Soma-se
a tudo isso, o fato dele estar/sentir-se velho. A vida não foi fácil
para Joel.
Jornalista aposentado, sem família e sem perspectiva de futuro,
Joel, vê seus planos frustrados ao se jogar de um prédio, cair em cima de uma
kombi e acordar no hospital com “a perna quebrada, dezoito pontos na testa e
inúmeras escoriações”.
Leandro, que durante anos dividiu com Joel o café frio das salas das redações
dos jornais, é a única pessoa que lhe estende a mão e leva o amigo para morar
de favor “num prédio de pastilhas amarelas e pilotis na Tijuca, no apartamento
da tia dele”, Glória. A relação entre os dois é marcada pela ironia, humor,
antipatia, troca de farpas, mas é isso que transforma a vida de ambos.
Glória
é uma dessas mulheres invisibilizadas pela sociedade. Ao narrar sua vida para
construção de um livro que deseja escrever, ficamos ciente de tudo o que ela
não foi e não fez. Glória não realizou seus sonhos e ainda se tornou a típica
chefe de família que sustentou a filha, Cláudia, com empadão: “Não fui
aeromoça. Não fiz faculdade. Não viajei. Ano entrando e saindo, fiz empadão”.
Dessa
relação, a princípio forçada entre ambos, começa a se desenvolver uma amizade,
que é interrompida por uma queda de Glória, que a leva a morte. A partir desse
ponto, inicia-se a segunda parte da obra (capítulos dezesseis ao trinta e
quatro, alternando a 1ª e a 3ª pessoa), em pleno contexto de descaso com a
saúde pública – COVID-19.
Nesse
instante, Joel, que viveu “mais de meio século lidando com as histórias dos
outros”, diz para si mesmo: “Vai ser impossível viver estes dias vazios
dedicados somente a mim”. Ele se lembra
do caderno que a Glória escrevia dizendo ser o livro que seria em breve
publicado. Começa a procurar. Após achá-lo, guarda-o, porque naquele instante
ele se sente em sua melhor versão. Ler a história de Glória é para esse
repórter arredio a possibilidade de dar à amiga um final feliz, ao menos na
ficção que, quem sabe, escreverá.
Chuva de Papel (2023) é um
romance-crônica com uma linguagem fluída, personagens machucados por
acontecimentos individuais e coletivos, eivado de humor e ironia, que nos faz
pensar em temas como a solidão, o companheirismo, a velhice, etc.
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