Participei em Belo Horizonte, no início de abril, do 12º
encontro nacional do Movimento Fé e Política. Quase duas mil pessoas. Ao
contrário dos encontros anteriores à pandemia, poucos jovens. A maioria de
cabelos brancos ou tingidos.
Minha geração envelhece. Chego este ano aos 80. Nossas ideias,
propostas e utopias, também envelhecem?
É muito preocupante constatar que as forças progressistas não
logram renovar seus quadros. Para vice de Boulos, na disputa pela prefeitura de
São Paulo, em outubro próximo, o PT precisou importar uma mulher filiada a
outro partido: Marta Suplicy, que fará 80 anos em março de 2025.
No Rio, o PT parece não ter quem indicar para possível vice na
chapa do prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição. Tende a importar Anielle
Franco, do PSOL.
Tenho proferido conferências pelo Brasil afora e assessorado
movimentos populares. Os cabelos brancos predominam na plateia. As poucas
manifestações públicas convocadas pela esquerda reúnem número inexpressivo de
pessoas e, em geral, a turma dos cabelos brancos.
Nós, da esquerda, estamos acuados. Como diz a canção de
Belchior, “minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo,
tudo, tudo que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos (…) como os nossos
pais”. “Nossos ídolos ainda são os mesmos”. E não vemos que “o novo sempre
vem”.
A queda do Muro de Berlim abalou as nossas esperanças em um
mundo onde todos teriam a sua existência dignamente assegurada. E o
capitalismo, gato de sete fôlegos, inovou-se pelos avanços da ciência e da
tecnologia e, sobretudo, do neoliberalismo.
Primeiro, a privatização do patrimônio público; em seguida, das
instituições sociais, reduzidas a duas por Margaret Tchatcher: o Estado e a
família. E, por fim, o cidadão foi despido de seu manto aristotélico e
condenado a ser mero consumista, inclusive de si mesmo ao passar horas a se
mirar no espelho narcísico das redes digitais.
Há uma progressiva despolitização da sociedade. A direita é como
uma maré que sobe e ameaça afogar o que nos resta de democracia liberal. Basta
dizer que um dos três programas de maior audiência da TV Globo e, portanto, de
faturamento, é o BBB, que bem espelha os tempos em que vivemos: ali são
explícitas as regras do sistema capitalista. O único objetivo é competir. Todos
sabem que, ao final, apenas uma pessoa haverá de amealhar o pote de ouro. E a
missão dos concorrentes é cada um fazer tudo para que seus pares sejam
eliminados. É o que milhões de adolescentes aprendem ao perder horas assistindo
àquele simulacro de “O anjo exterminador”, de Buñuel.
Na esquerda “ainda somos os mesmos”. Não semeamos a safra de
novos militantes com medo de que eles se destacassem e ocupassem as nossas
instâncias de poder. Abandonamos as favelas, as zonas rurais de pobreza, os
movimentos de bairros. E não aprendemos a atuar nas trincheiras digitais,
monopolizadas pela direita como armas virtuais da ascensão neofascista.
Não sabemos como reagir diante do fundamentalismo religioso que
mobiliza multidões, abastece urnas, elege inclusive bandidos notórios.
Fundamentalismo que apaga as desigualdades sociais e as contradições de classe
e ressalta que tudo se reduz à disputa entre Deus e o diabo. Todo sofrimento
decorre do pecado. Eliminado o pecado, irrompe a prosperidade, que empodera e
favorece o domínio: a confessionalização das instituições públicas; a
deslaicização do Estado; a neocristandade que condena à fogueira da difamação e
do cancelamento todos que não abraçam “a moral e os bons costumes” dos que
clamam contra o aborto e homenageiam torturadores e milicianos assassinos.
Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem
de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos
brancos denunciam o inverno que nos acomete. É hora de uma nova e florida
primavera!
Frei
Betto é escritor, autor de “Diário de
Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”
(Rocco), entre outros livros.
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