Nos últimos anos, a letalidade policial no
Brasil tem sido uma questão central no debate sobre segurança pública e
direitos humanos. O país, que já é conhecido por seus altos índices de
violência, também figura entre os que mais registram mortes em ações policiais
no mundo. Em 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),
foram mais de 6 mil mortes causadas por intervenções policiais, o que equivale
a uma média de 16 mortes por dia.
PAGINA 2 BRASIL
A Letalidade da Polícia no Brasil: um retrato
alarmante
Um levantamento feito pelo Uol nesta semana vem
chamando a atenção da opinião pública brasileira para a questão da violência
policial. Dados apontam que as polícias militar e civil do Brasil matam mais do
que as polícias de 15 países do G20 juntos. Seria comparar um país como o
Brasil com uma população de 215 milhões de pessoas em que as polícias matam
mais do que as populações de 15 países juntos ultrapassando 3 bilhões de
pessoas.
Simples: no Brasil foram 6.393 mortos por
policiais em 2023, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública,
divulgado em julho. Ao todo, 15 países do G20 somam 2.267 vítimas fatais de
policiais no mesmo período. O Brasil tem 7 por cento da população desses 15
países juntos. Em resumo,
proporcionalmente, os policiais brasileiros matam 36 vezes mais do que a média
dos agentes das outras nações.
Os dados revelam um padrão de atuação policial
que afeta desproporcionalmente grupos específicos. Jovens negros, moradores de
regiões periféricas e populações de baixa renda são as principais vítimas. Um
levantamento do FBSP apontou que mais de 75% das pessoas mortas em ações
policiais são negras. Essa disparidade expõe não apenas o racismo estrutural
presente na sociedade brasileira, mas também a falta de políticas públicas
eficazes para reduzir essas desigualdades.
Embora ações policiais letais sejam
frequentemente justificadas como necessárias para combater o crime,
especialistas apontam para a ausência de protocolos claros e a insuficiência de
treinamento adequado como fatores que contribuem para os altos índices de
letalidade.
A situação também tem atraído críticas de
organizações internacionais. A ONU, por exemplo, tem reiterado preocupações
sobre a "violência estatal" no Brasil e chamado o governo a adotar
medidas para reduzir a letalidade policial.
A solução para o problema não é simples, mas
existem iniciativas que poderiam mitigar a situação. Reformas estruturais nas
corporações policiais, com ênfase em treinamento humanizado, investigação
rigorosa de abusos e maior controle externo, são passos essenciais. Ademais, a
promoção de políticas públicas focadas na redução das desigualdades sociais
poderia contribuir para a diminuição dos confrontos entre policiais e
comunidades.
A letalidade policial no Brasil é um reflexo de
problemas mais profundos que incluem desigualdades sociais, racismo estrutural
e a falta de transparência nas instituições de segurança. Enfrentar esse
desafio requer um compromisso coletivo e políticas que priorizem tanto a
segurança pública quanto a proteção dos direitos humanos. Apenas assim será
possível reverter um cenário que, ano após ano, ceifa milhares de vidas e
perpetua um ciclo de violência.
Fatores que Alimentam a Polícia que Mata
O sociólogo Daniel Hirata, do Geni (Grupo de
Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), identifica
diversos fatores que contribuem para a alta letalidade da polícia brasileira. Entre os principais pontos, estão:
1.
Órgãos
de Controle Fragilizados:
As corregedorias, responsáveis pelo controle interno das polícias,
frequentemente sofrem com “coleguismo”, o que limita sua eficiência na apuração
de abusos. Casos de violência são tratados de forma leniente, reforçando a
sensação de impunidade entre os agentes.
2.
Atuação
Limitada do Ministério Público:
Pela Constituição, o controle externo das polícias deve ser realizado pelos
Ministérios Públicos estaduais. No entanto, mais de 90% das investigações sobre
mortes provocadas por policiais são arquivadas, muitas vezes a pedido do
próprio MP. Em 2016, por exemplo, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, nove em cada dez
casos foram encerrados sem avanço.
3.
Discurso
Político Estimulador:
O discurso político que exalta a força bruta como solução para os problemas de
segurança pública legitima o uso excessivo da violência. Políticos que defendem
práticas letais criam um ambiente onde a polícia que mata é vista
como necessária, alimentando a percepção de que repressão violenta equivale à
eficiência.
4.
Desigualdade
e Exclusão Social:
As ações letais da polícia estão concentradas, em sua maioria, em comunidades
periféricas e populações vulneráveis. Jovens negros e pobres são os principais alvos das operações policiais,
evidenciando um padrão de atuação discriminatório.
Possíveis Soluções para Reduzir a Letalidade
Policial
O combate à letalidade policial no Brasil exige
reformas profundas e ações coordenadas em diversas frentes. Especialistas
apontam algumas medidas que podem ser implementadas para mudar essa realidade:
1.
Reestruturação
das Corregedorias:
Tornar os órgãos de controle interno independentes das corporações policiais é
fundamental para garantir a imparcialidade das investigações.
2.
Fortalecimento
do Controle Externo:
O Ministério Público precisa atuar de forma mais ativa e eficiente no controle
das polícias, garantindo que casos de letalidade sejam investigados e levados à
Justiça.
3.
Mudança
no Discurso Político:
É essencial que líderes políticos abandonem a retórica da violência e promovam
políticas públicas baseadas em direitos humanos e prevenção.
4.
Treinamento
e Capacitação:
Investir em treinamento contínuo para os policiais, com foco em técnicas de
resolução de conflitos, abordagem sem violência e respeito aos direitos
humanos, pode reduzir o uso excessivo da força.
5.
Monitoramento
Independente:
A criação de comitês independentes para monitorar e auditar as ações das forças
de segurança pode aumentar a transparência e a confiança da sociedade nas
instituições.
Fonte: Gazeta Mercantil e UOL