NORDESTINADOS A LER
POR LUCIANA BESSA
Semanas pesadas
Semana passada, precisei me
submeter a uma cirurgia no olho direito para a retirada de um pterígio. O
procedimento é simples, a recuperação nem tanto. É preciso passar pelo menos
quinze dias sem praticar uma das atividades que mais gosto: a leitura.
Recentemente, inclusive, fiz
uma live(@metanoiaeduca) para discutir a importância da leitura acadêmica e não
acadêmica. Falar de leitura em pleno século XXI, período do domínio das novas
tecnologias/mídias sociais, é para mim, curioso e assustador.
Quem decide adentrar na
jornada de um curso superior, já deveria estar ciente das inúmeras leituras que
fará nos próximos quatro ou cinco anos. Isso sem levar em consideração que nem
só de leituras se faz um bom profissional.
Não é possível optar por pelo
Curso de Letras e não dialogar com: José de Alencar, Machado de Assis, Aluísio
de Azevedo, Olavo Bilac, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, etc. Claro
que ainda não incluí aqui os livros de caráter teórico (Antonio Candido, Alceu
Amoroso Lima, José Veríssimo, Sílvio Romero, etc) e os escritores não
brasileiros (Gabriel García
Márquez, Júlio Cortázar, Pablo Neruda, Gabriela Mistral, etc). E no Direito:
quais são as leituras imprescindíveis para formar um bom jurista? E na Medicina?
E na Economia? E nas Ciências Sociais? E no Jornalismo?
No entanto, não são poucas as vezes que escuto os estudantes falarem: “É
muito texto para ler”, “O texto é muito longo”, “O professor já deixou outro
texto na xérox”, “A professora quer um seminário do livro completo”, “Mas estes
textos são muito difíceis”. Eu diria que são frases curiosas para quem decidiu
percorrer o mundo acadêmico. Afinal, quem está na chuva não é para se molhar?
O assustador mesmo é saber que em muitas escolas (públicas e privadas),
os estudantes ganham ponto na média pela leitura de uma obra literária. Ou que
o aluno indisciplinado é convidado a se retirar de sala de aula e ir para a
biblioteca ler (em alguns casos não tem o direito de escolher). Ou que Machado
de Assis - um dos meus escritores preferidos - é leitura obrigatória no
sétimo/oitavo em que o adolescente ainda não adquiriu uma “maturidade
literária”.
Carlos Drummond de Andrade, o poeta gauche
da Literatura Brasileira, foi um deles. Em 1925, ao ser obrigado a ler Machado,
escreveu um texto chamado “Sobre
Tradição em Literatura”. No arroubo da juventude, em que nossas opiniões ainda
estão em fase de maturação, o então aspirante a poeta opinou, agressivamente,
que a obra do escritor Machado de Assis, considerado naquele instante pela
crítica especializada um dos maiores romancistas brasileiros “tem sido o cipoal
em que se enveredou e perdeu mais de uma poderosa individualidade, seduzida
pela sutileza, pela perversidade profunda e ardilosa deste romancista tão
curioso e, ao cabo, tão monótono”. Na visão do jovem efebo, Machado era um
escritor egocêntrico, tedioso e difícil de ser lido. Quando conto essa
história, os estudantes dizem: “professora, se nem Drummond gostava de Machado,
imagine eu”.
Um dos escritores prediletos
do poeta Drummond era o prosador Machado de Assis. A questão aqui é outra:
solicitar a leitura dos clássicos para jovens sem bagagem cultural. O
curioso/assustador é que muitos professores exigem a leitura dos clássicos, mas
eles mesmos ainda não leram.
A ciência é até capaz de
criar humanos em laboratório, mas a educação, pelo menos a brasileira, caminha
a passos lentos ao reproduzir uma ideologia dominante, em que não é pensada
para dar voz ao sujeito que todos os dias entra pelos portões da escola em
busca não só de conhecimento, mas de experiências que vão transformar suas
vidas.
É preciso admitir: os
clássicos são livros difíceis de serem lidos, mas são extraordinários. Nossa
juventude, em geral, não dedica seu tempo para esse tipo de leitura. Não
adianta indicar livros se a escola não escuta o aluno-leitor, não sabe seu
gosto literário, não permite que ele seja o protagonista desse processo.
Enquanto não acabar com a
“educação bancária” continuaremos com o mesmo quadro: estudantes sufocados de
trabalhos, fórmulas de física, química, matemática e tabelas periódicas para
decorar, livros paradidáticos para fazerem prova.
Eu sigo na luta por uma
educação crítica e reflexiva e, claro, por semanas mais leves!
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